Análise dos 30 anos da internet no Brasil e os impactos das redes sociais, além de recomendações para um desenvolvimento ético da IA
Business people browsing the web on a screen (Freepik)
Roger Marques

Professor na EXAME + Saint Paul

Publicado em 21 de maio de 2025 às 17h20.

Em 1º de maio de 2025, a internet comercial no Brasil completou 30 anos, período no qual o país avançou das conexões discadas para a banda larga móvel, alcançando 90% dos lares conectados, um crescimento significativo em relação aos 84% de 2019.

A rede, antes restrita ao meio acadêmico, tornou-se parte essencial da vida cotidiana, destacando-se o Brasil como um dos países mais ativos nas redes sociais, com uma cultura digital própria e amplo o à informação.

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A economia também foi impactada positivamente, com o crescimento do e-commerce, surgimento de novos modelos de trabalho e consolidação da educação a distância. Desde a primeira conexão oficial durante a ECO-92 até a chegada do 5G, a inclusão digital avançou significativamente, e em 2022 mais de 87% das pessoas acima de 10 anos usavam a internet, incluindo a maioria dos idosos. Entretanto, apesar dos avanços, o país ainda enfrenta desafios relacionados à regulação das plataformas digitais e à soberania digital.

Infância conectada e saúde mental

Nas últimas décadas, a infância migrou das brincadeiras presenciais para as interações digitais, especialmente com o uso precoce de smartphones e redes sociais, o que tem impacto preocupante na saúde mental dos jovens.

A partir dos anos 2010, com a popularização do Instagram e outros aplicativos entre adolescentes, houve aumento nos casos de ansiedade, depressão e automutilação, particularmente entre meninas, que ficam mais expostas a dinâmicas de comparação nas redes. Pesquisas internas do Facebook indicavam que um terço das adolescentes relatava piora na autoimagem devido ao Instagram, mas as empresas de tecnologia minimizaram esses efeitos.

O psicólogo Jonathan Haidt propõe a restrição do uso das redes sociais até os 16 anos, ressaltando a necessidade de equilibrar o uso da tecnologia com o bem-estar, incentivando mais brincadeiras offline e menos tempo de tela.

Redes sociais, desinformação e riscos à democracia

Os algoritmos de plataformas como Facebook e YouTube, que priorizam o engajamento, favorecem conteúdos inflamados e falsos, aumentando a polarização e afetando partidos políticos, que se veem pressionados a adotar discursos mais radicais para ganhar visibilidade.

Casos como Cambridge Analytica, a incitação à violência em Mianmar e a radicalização política no Brasil mostram como essas plataformas podem minar a confiança pública, tornando urgente a conciliação entre o modelo de negócios das big techs e a proteção da integridade democrática.

Algoritmos e o impulso ao consumismo

Além da polarização e da desinformação, os algoritmos também estimulam o consumismo.Os algoritmos também estimulam o consumismo, transformando redes sociais em vitrines aspiracionais, onde influenciadores e anúncios personalizados induzem compras impulsivas, reforçadas por vídeos de “unboxing” e funcionalidades integradas de comércio eletrônico.

Pesquisas indicam que a maioria dos jovens se sente levada a consumir mais por influência digital, alimentando uma cultura de descarte, especialmente na moda e eletrônicos, com impactos ambientais e sociais significativos. O modelo de negócios focado em vendas e engajamento perpetua esse consumo excessivo, ignorando os custos ocultos da produção e promovendo ostentação constante.

Big Techs sabiam dos riscos, mas hesitaram em agir

Vazamentos e denúncias revelam que empresas como a Meta tinham conhecimento dos impactos negativos de suas plataformas, especialmente sobre a saúde mental dos jovens e a integridade do debate público, mas postergaram mudanças para proteger lucros.

Pesquisas internas mostravam que o Instagram agravava problemas de imagem corporal e depressão entre adolescentes, porém poucas ações foram tomadas. Denúncias de whistleblowers como s Haugen e Sophie Zhang evidenciaram que o Facebook ignorava alertas sobre discurso de ódio, desinformação e manipulações políticas em diversos países.

Esses fatos impulsionaram investigações e debates regulatórios, como a Lei de Serviços Digitais da União Europeia, mas críticos apontam que as melhorias anunciadas foram muitas vezes tardias ou superficiais, reforçando a necessidade de transparência e regulação externa para que as plataformas priorizem o bem-estar social em detrimento do lucro.

Impactos positivos e o Triple Bottom Line

Por outro lado, as tecnologias digitais trouxeram avanços importantes, que podem ser analisados sob a ótica do Triple Bottom Line, que engloba os aspectos econômico, social e ambiental.

No aspecto financeiro, as redes sociais facilitaram o empreendedorismo digital e ampliaram o o a mercados, permitindo que pequenos negócios alcancem clientes com baixo custo, enquanto as grandes empresas de tecnologia geram empregos, investimentos e aumento da produtividade em diversos setores. Socialmente, as plataformas conectam pessoas, fortalecem laços afetivos, ampliam vozes antes marginalizadas, fortalecem movimentos sociais e democratizam a educação por meio de cursos online, vídeos e comunidades de apoio.

Ambientalmente, a digitalização reduziu o uso de materiais físicos como papel e CDs, e o trabalho remoto contribui para a diminuição das emissões. Algumas empresas também adotaram energia renovável e utilizam inteligência artificial para otimizar recursos, além de dar visibilidade e mobilização a causas ambientais. O desafio consiste em equilibrar esses ganhos com os riscos apresentados, direcionando a tecnologia para um modelo sustentável e ético, alinhado ao bem-estar social, econômico e ambiental.

IA generativa: três cenários para o futuro

No que diz respeito à inteligência artificial generativa, que abrange desde chatbots avançados até geradores de imagens e vozes sintéticas, especialistas projetam três cenários para a próxima década.

No cenário pessimista, a IA agrava crises existentes, disseminando deepfakes e desinformação, minando a confiança nas instituições, substituindo empregos em larga escala e aumentando desigualdades, enquanto corporações dominam a tecnologia e governos autoritários usam a IA para vigilância e controle, ameaçando direitos e liberdades. Além disso, o consumo energético crescente das IAs eleva a pegada de carbono, trazendo riscos até existenciais.

No cenário provável, a IA traz transformações significativas, com adaptações graduais: empregos são modificados, mas não desaparecem; a desinformação persiste, mas com contramedidas tecnológicas e educação midiática; regulamentos internacionais começam a ser aplicados buscando transparência e segurança; e a IA melhora eficiência e o em setores como saúde e educação, embora dilemas éticos permaneçam.

Já no cenário otimista, a IA é controlada para beneficiar a todos, liberando humanos de tarefas repetitivas, impulsionando a criatividade e a qualidade de vida, distribuindo a riqueza de forma mais equitativa, criando novas profissões ligadas à gestão ética da IA, melhorando saúde e educação com assistentes personalizados, tornando redes sociais mais saudáveis e inclusivas, além de contribuir para otimizar recursos e combater a mudança climática, tudo isso baseado em cooperação global, transparência e ética.

Construindo um futuro desejável para a IA

Para construir esse futuro desejável da IA generativa até 2035, é necessário equilibrar ganhos econômicos, progresso social e responsabilidade ambiental, aprendendo com os erros das redes sociais. A visão aspiracional inclui prosperidade econômica distribuída com inclusão, melhorias nos indicadores sociais como educação, saúde e redução da desigualdade, e avanços ambientais como cidades inteligentes e economia circular.

Para alcançar esse futuro, é fundamental colocar a ética e o bem-estar no centro do design dos sistemas, garantindo transparência e prestação de contas ao explicar como as decisões são tomadas. Também é necessário criar uma governança proativa, por meio de comitês de ética e agências reguladoras que fiscalizem o desenvolvimento e uso da IA para evitar danos.

Além disso, deve-se promover a interdisciplinaridade e a participação da sociedade civil em debates públicos, proteger os dados e a privacidade por meio da anonimização e diversidade para evitar vieses e vigilância, e detectar e corrigir preconceitos nos sistemas, assegurando que a IA funcione para todos. É igualmente importante investir em educação e literacia digital, preparando cidadãos desde a escola até campanhas públicas, assim como democratizar o o à IA, capacitando profissionais e fomentando a cooperação global para evitar a concentração de poder.

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