A temporada de resultados trimestrais recém-terminada emite sinais alvissareiros: 37% das companhias apresentaram desempenho superior às expectativas, ante apenas 16% abaixo das projeções (Richard Drury/Getty Images)
Colunista
Publicado em 22 de maio de 2025 às 06h00.
“À primeira fase de prosperidade, que alcança os mais antigos centros produtores de açúcar da colônia, (…) e que vai até o fim do século 17, segue-se a decadência logo no início do seguinte. Substituem-se a essas regiões (…) os centros mineradores. (…) Já antes do seu terceiro quartel [de século] assistimos ao progressivo aniquilamento das minas. Volta novamente a prosperidade dos primitivos centros agrícolas no litoral. (….)
Essa evolução cíclica, por arrancos, em que se assiste sucessivamente ao progresso e ao aniquilamento de cada uma e de todas as áreas povoadas e exploradas do país, uma atrás da outra, não tem outra origem que o caráter da economia brasileira. (…) É assim que ela se formou e sempre funcionou.”
Peço desculpas ao leitor pela longa, talvez excessiva, citação. Foi a maneira que encontrei para transmitir a ideia mais importante ao investidor agora. A economia e os mercados brasileiros são altamente cíclicos, característica enraizada em nossas vísceras, mesmo antes de nos estabelecermos como Estado-nação. Os excertos até aqui derivam de Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, de 1942. A economia e os mercados brasileiros não apenas são cíclicos, intensos e voláteis, mas são reconhecidos assim há muito tempo.
Olhando entre 1980 e 2019, o Brasil teve 26 anos bons, com crescimento em torno de 3% ao ano, mesmo não sendo esse recorte temporal o mais favorável, pois inclui a famigerada década perdida e a grande depressão de 2015/16. Uma relação de 26 em 40 não é nada mau! Isso desmonta a ideia de que não temos períodos auspiciosos. O problema é que eles são interrompidos por anos bastante ruins. Quando as crises chegam, meu amigo… A recessão no Brasil, comparada a outros países emergentes ou desenvolvidos, costuma ser mais severa. O próprio biênio 2015/16 é exemplo emblemático, com uma redução de PIB comparável apenas a situações de guerra. Somos um país de alta volatilidade, o que tem repercussões sobre a taxa de crescimento de longo prazo e o equilíbrio de juros no Brasil.
As manchetes atuais se ocupam do recente recorde histórico para o Ibovespa, nosso principal índice de ações, e da valorização do real ante o dólar em 2025, das mais intensas em nível global. Nada a reclamar. Ao contrário, que se repita! No entanto, o suposto vigor transmitido pelas capas de jornais esconde algo profundo. Os mercados brasileiros vêm de um ciclo longo muito ruim. A apreciação dos últimos meses é apenas uma pequena recuperação, depois de um rigoroso e intenso inverno. Desde 2010, o Ibovespa sobe 101%. Isso é notadamente inferior ao retorno do CDI (302%), da combalida poupança (184%) e até mesmo do IPCA (142%). Sim, o mais conhecido índice de ações local perde da inflação oficial num horizonte de 15 anos!
Muita gente, incluindo aí parte da suposta inteligência local, ao observar essa longa performance ruim dos ativos de risco no Brasil, prontamente pulou para as conclusões, recuperando um velho fato estilizado típico dos anos 1980, quando ouvíamos dos tesoureiros de bancos, carregando no sotaque carioca: “Aqui, nada bate o dólar, nada bate o CDI”. Condenamos para sempre todo o resto. O mercado de ações teria virado refúgio dos excêntricos ou dos mal-informados. Mas podemos estar diante do início de um ciclo secular em favor de nossos ativos de risco.
Na década anterior ao ciclo negativo em curso, o retorno médio nas ações brasileiras fora de 26% ao ano em dólares. Para sanar a curiosidade, o S&P 500, dos EUA, subiu a um ritmo médio de 8% ao ano no mesmo intervalo. Curiosamente, ali no começo dos anos 2000, também debatíamos o fim (ou a redução) do excepcionalismo americano, quando digeríamos o estouro da bolha pontocom nos EUA. Substitua a palavra “internet” por “big techs” ou “inteligência artificial” e talvez você possa ver a história se repetindo rigorosamente à sua frente.
Historicamente, os ciclos em favor e em desfavor do dólar duraram anos, não meses. Ainda que o abrandamento da guerra tarifária visto nos últimos dias represente um refresco para o dólar, já há uma rachadura indelével no sistema. A pasta não volta para o tubo. Os níveis de confiança, de concentração e de hegemonia dos EUA e de suas big techs não serão mais os mesmos no horizonte tangível.
Desde o dia 9 de abril, os mercados emergentes receberam cerca de 8 bilhões de dólares em aportes líquidos, o que representa menos de 10% dos resgates do ano ado. Os fundos globais seguem com uma alocação, no agregado, 840 pontos-base inferior à média histórica em mercados emergentes, cerca de um desvio-padrão abaixo da média. A mera reversão para a média histórica implicaria uma aplicação líquida adicional de 70 bilhões de dólares!
Enquanto isso, os valuations locais seguem descontados. A relação preço sobre lucro para os próximos 12 meses na América Latina ronda 9x, ante 20x nos EUA. Talvez ainda mais interessante seja o prognóstico. À captura das forças externas somam-se elementos domésticos. O Copom flerta com o fim do ciclo de aperto monetário e começam as elucubrações sobre o início das quedas da Selic, provavelmente entre o final deste ano e o início do próximo. Com juros menores à frente e uma boa performance dos fundos de ações, podemos voltar a ter captação positiva aos investidores institucionais locais com foco em renda variável, depois da maior sequência de resgates líquidos de toda a história. Essa seria uma demanda importante para ações ligadas ao ciclo doméstico e, principalmente, para as small caps, menos interessantes ao olhar do gringo.
Talvez fosse desnecessário lembrar ainda que as ações são empresas. E como diria aquele jovem de Omaha com um grande futuro pela frente, chamado Warren Buffett, “se um negócio vai bem, as ações acabam seguindo”. A temporada de resultados trimestrais recém-terminada emite sinais alvissareiros. Na nossa compilação, 37% das companhias apresentaram desempenho superior às expectativas, ante apenas 16% abaixo das projeções. No trimestre anterior, esses percentuais eram, grosseiramente, invertidos.
A aproximação do calendário eleitoral também deve começar a fazer preço ao longo do segundo semestre, num crescente até a materialização do evento. Se alguém dissesse, ao final de 2002, que o Ibovespa sairia de 11.000 pontos (nível daquele momento) para 73.000 pontos dez anos depois ou que o principal índice de ações brasileiro se multiplicaria por mais de 3x entre 2016 e 2019, poucos acreditariam. É sempre assim. Daqui a pouco, o Cristo Redentor estará na capa da Economist decolando. Aí, será a hora de vender tudo. É só a grande volatilidade cíclica brasileira se manifestando. Por enquanto, é pau, Brasil!