O chanceler alemão, Friedrich Merz e o presidente francês, Emmanuel Macron: estabelecendo um programa franco-alemão para criar as inovações necessárias para os modos de guerra de amanhã (Ludovic Marin/Pool/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 22 de maio de 2025 às 06h00.
No aniversário de 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, celebrado no começo de maio, dois países rivais naquela guerra, França e Alemanha, deram um sinal claro: vão acelerar a compra de armas, mas farão isso em conjunto.
“Vamos estabelecer um programa franco-alemão para criar as inovações necessárias para os modos de guerra de amanhã”, disse o presidente francês, Emmanuel Macron, em 7 de maio, ao lado do novo chanceler alemão, Friedrich Merz.
A reação dos dois é uma resposta a uma mudança estrutural iniciada em janeiro: o afastamento dos Estados Unidos. O governo de Donald Trump tem deixado claro que os aliados deverão contar menos com os EUA em defesa. No entanto, é uma transição complexa.
“A Europa levaria pelo menos dez anos para conseguir equiparar o poder militar que os americanos têm hoje no continente”, diz Salvador Raza, especialista em segurança e defesa militar e ex-professor da National Defense University, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. “A indústria europeia sempre esteve atrelada ao padrão americano. Você não desenvolve um míssil supersônico em três meses.”
O arranjo global pós-1945 fez com que os Estados Unidos se responsabilizassem, na prática, pela defesa dos países europeus. Esse acerto foi formalizado com a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que tem uma regra clara: mexeu com um, mexeu com todos. Se um dos países do bloco for invadido, todos os outros terão de defendê-lo, incluindo os EUA.
Após o início da guerra na Ucrânia, os europeus aumentaram os investimentos na área, mas continuam distantes do volume americano. Os EUA gastam mais em defesa: em 2024, foram 968 bilhões de dólares, bem mais do que toda a Europa somada (veja quadro abaixo).
A Alemanha, país que mais investiu na área, dispendeu 86 bilhões de dólares no período, segundo dados do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS). Os europeus têm, ainda, desafios de capacidade de decisão, centralizada na União Europeia, uma entidade criada com foco na paz. A Itália, por exemplo, tem buscado barrar gastos em defesa, por considerar que a imigração irregular seria um risco maior.
A estratégia militar pós-Segunda Guerra levou, ainda, a um modelo em que cada país europeu seja especialista em um tipo de armamento. Assim, França e Suécia, por exemplo, se tornaram referência em aviões, enquanto a Finlândia e os países bálticos produzem muitos tanques de guerra. Foi uma forma indireta de dificultar conflitos entre eles.
O avanço militar europeu dependerá, ainda, dos próximos os do governo Trump, afeito a reviravoltas, e do confronto na Ucrânia. Mariana Kalil, professora de geopolítica da Escola Superior de Guerra, do Ministério da Defesa do Brasil, vê outro fator decisivo: a ascensão de partidos de extrema direita na Europa, que defendem o nacionalismo e, com frequência, o aumento das armas.
“Os partidos de ultra direita não acreditam na lente cooperativa dentro da União Europeia. Tanto que o próprio Reino Unido saiu dela. Pode ser necessário, como na Segunda Guerra, países de fora para resolver o problema da Europa”, afirma.
O momento atual, como o encontro de Merz e Macron sugere, é de forte aliança, pelo menos entre as duas maiores potências, França e Alemanha. Essa parceria ajuda a Europa tanto a se defender de ameaças de fora quanto das guerras internas que marcaram toda a história do continente.