Repórter de Negócios
Publicado em 22 de maio de 2025 às 09h10.
O consumidor brasileiro está travando uma guerra silenciosa nos corredores dos supermercados. Com a inflação pressionando os preços, a renda corroída e o câmbio oscilante, encher o carrinho virou um exercício de sobrevivência.
É nesse cenário que a pesquisa Full View 2025, da NielsenIQ, identificou quatro estratégias predominantes adotadas pelas famílias para driblar a alta de preços e manter o abastecimento da casa: trocar marcas, testar novidades, priorizar promoções e diversificar os canais de compra.
A divulgação do estudo ocorreu nesta semana, em São Paulo, no evento que marca a principal leitura do consumo no país.
Os dados revelam o comportamento pragmático dos consumidores diante de um ambiente econômico cada vez mais restritivo — especialmente para os lares de baixa renda, onde o gasto com itens básicos compromete a maior parte do orçamento.
“O consumidor está mais pragmático. Ele não compra apenas por hábito, mas por valor percebido. Faz trocas, experimenta, compara e busca encaixar o orçamento com inteligência”, afirma Alfredo Costa, presidente da NielsenIQ no Brasil.
Para os próximos meses, a expectativa da NielsenIQ é de que essas estratégias se intensifiquem.
O cenário de inflação persistente deve manter o consumo em desaceleração, mas com destaque para canais e marcas que souberem dialogar com a lógica de valor percebido.
A substituição de produtos se tornou a principal reação dos consumidores à inflação.
Dados da NielsenIQ apontam que 40% das categorias perderam faturamento por trocas para versões mais baratas, sendo que 74% dessas migrações ocorreram para categorias correlatas com menor preço. Isso afeta até mesmo itens básicos como café, leite condensado e produtos de limpeza.
O movimento é tão forte que muitas dessas categorias, além de perderem volume, também viram uma redução na penetração nos lares — ou seja, menos famílias comprando com regularidade.
A abertura para experimentar novas marcas é outro reflexo da busca por economia.
Entre os consumidores, 26,7% dizem ser “extremamente importante” ter o a novos produtos básicos, e 23,8% pensam o mesmo sobre itens complementares.
Em 2025, já foram lançados mais de 39.000 novos produtos, com crescimento de 36% nas vendas puxado por esses lançamentos.
Boa parte desses itens se concentra na faixa de preço mais baixa. A categoria “low”, por exemplo, representa 49% das vendas entre os novos produtos básicos. A estratégia é clara: ampliar as opções íveis sem comprometer a variedade.
A lealdade às marcas também está sob pressão.
Segundo a NielsenIQ, 62% dos lares priorizam o preço na decisão de compra, e 57% buscam ativamente por promoções. Marcas que conseguem entregar preço competitivo e estratégia promocional eficaz tendem a ganhar espaço.
Essa elasticidade de preço é mais visível nos produtos básicos, onde 66% das categorias apresentam forte sensibilidade a promoções.
Mesmo com subsídios significativos por parte do varejo, a presença promocional já movimenta 125 bilhões de reais no setor.
O consumidor está comprando menos vezes, mas em mais lugares.
Supermercados grandes, e-commerce e atacarejos (Cash & Carry) lideram o crescimento, com altas de 10%, 19,1% e 19,7%, respectivamente. A ida ao ponto de venda tradicional ficou estável, mas o C&C registrou 15,5% a mais em visitas — 67% desse avanço vindo de consumidores já habituais que aram a frequentar mais.
“É um comportamento estratégico: a pessoa entende onde encontra o melhor preço para cada tipo de compra”, afirma Costa. “O consumidor virou um curador do próprio consumo.”
O resultado dessa reorganização é um carrinho mais enxuto, porém mais eficiente. A frequência de compra caiu, mas o ticket médio aumentou 2% — puxado por compras combinadas de itens básicos e complementares. Mesmo assim, 84% das categorias básicas desaceleraram em volume no primeiro trimestre de 2025.
A inflação, que afetou 78% das categorias com aumento de preço, deve continuar ditando o ritmo. O crescimento de faturamento segue, mas majoritariamente impulsionado pelo preço, e não pelo volume.
No fim das contas, o consumidor está reinventando a rotina de compra, item por item, canal por canal — e cada decisão no mercado revela um pouco mais sobre a pressão invisível que pesa sobre os lares brasileiros.