Com R$ 14,6 bilhões em recursos congelados e matrículas de estudantes estrangeiros suspensas, instituição é alvo de acusações que vão de antissemitismo a vínculo com a China
Harvard é considerada uma organização sem fins lucrativos (Mostafa Bassim/Anadolu via Getty Images)

Harvard é considerada uma organização sem fins lucrativos (Mostafa Bassim/Anadolu via Getty Images)

Agência o Globo
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Publicado em 28 de maio de 2025 às 11h08.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem liderado uma campanha para pressionar universidades de elite dos Estados Unidos a promover uma série de mudanças políticas, sob o argumento de combater o antissemitismo nos campi e garantir a proteção dos direitos civis. Em meio à disputa entre autonomia acadêmica e controle governamental, seu governo tem tentado coagir instituições educacionais ao congelar financiamentos e revogar vistos de estudantes internacionais.

A Universidade Harvard tem sido o principal alvo da sua fúria. O governo Trump congelou mais de US$ 2,6 bilhões (R$ 14,6 bilhões, na cotação atual) em subsídios federais para pesquisas, após a universidade se recusar a reformular políticas de governança, disciplina, contratação e issão não alinhadas com a agenda da Casa Branca. O programa da universidade para estudantes internacionais também teve sua certificação revogada, impedindo o ingresso de estrangeiros. Nesta terça-feira, o governo enviou uma carta às agências federais cancelando os contratos federais restantes direcionados a Universidade Harvard, estimados em US$ 100 milhões (cerca de R$ 570 milhões na cotação atual).

E os ataques podem se intensificar. Trump já anunciou que pretende retirar o status de isenção fiscal de Harvard — um benefício que, segundo análise da Bloomberg News, poupou a instituição de ao menos US$ 465 milhões (R$ 2,6 bilhões) em impostos em 2023. A Câmara dos Deputados, controlada pelos republicanos, aprovou uma legislação que prevê aumento significativo de impostos sobre o rendimento líquido de fundos de universidades privadas, como o de Harvard.

A universidade entrou com uma ação judicial alegando que o governo ameaça sua independência e sufoca a liberdade de expressão ao suspender os recursos federais. Também considera ilegal o bloqueio à matrícula de estudantes estrangeiros.

Crítico antigo das universidades de elite, Trump sustenta que essas instituições promovem ideias contrárias aos valores americanos e adotam práticas que violam leis contra discriminação racial. Durante a campanha presidencial de 2024, ele ameaçou usar impostos, multas e processos para reduzir “fundos privados excessivamente grandes” e prometeu “reconquistar nossas outrora grandiosas instituições educacionais das garras da esquerda radical e dos maníacos marxistas”.

As críticas a Harvard, a mais antiga e rica universidade americana, têm se concentrado na suposta incapacidade de combater adequadamente o antissemitismo. O campus, como outros no país, viveu momentos turbulentos após o grupo palestino Hamas — classificado pelos EUA como organização terrorista — matar 1.200 pessoas e sequestrar mais de 200 em Israel, em outubro de 2023. Na guerra subsequente, mais de 53 mil palestinos morreram na Faixa de Gaza, segundo o ministério da Saúde, istrado pelo Hamas. O conflito gerou protestos estudantis e denúncias de antissemitismo em Harvard feitas por alunos judeus e organizações estrangeiras.

Alan Garber, ex-pró-reitor, assumiu como presidente interino em janeiro de 2024, após a renúncia de Claudine Gay, e foi efetivado no cargo em agosto. Em resposta às críticas, adotou uma definição formal de antissemitismo e criou novos programas educacionais para os estudantes.

Ainda assim, Trump e outros conservadores alegam que Harvard falhou em proteger adequadamente os alunos judeus. Em carta de 11 de abril, o governo Trump acusou centros da universidade como o de Estudos do Oriente Médio e a Escola de Teologia de promoverem assédio antissemita ou estarem “ideologicamente capturados”.

O Departamento de Segurança Interna afirmou, em 22 de maio, que a liderança de Harvard criou “um ambiente inseguro ao permitir que agitadores antiamericanos e pró-terrorismo assediassem e agredissem fisicamente pessoas”. Segundo o órgão, muitos desses manifestantes seriam estudantes estrangeiros.

O governo também acusou Harvard de cooperação com o Partido Comunista Chinês. Em carta de 19 de maio, parlamentares republicanos exigiram esclarecimentos sobre os vínculos da universidade com o governo chinês e seu exército, alegando que Harvard teria treinado membros de uma organização paramilitar envolvida no genocídio de uigures, minoria étnica muçulmana.

O que levou ao congelamento dos recursos?

Em 31 de março, o governo Trump ameaçou cortar quase US$ 9 bilhões (R$ 50,8 bilhões) em subsídios, alegando que Harvard não combateu o assédio antissemita. Um grupo federal de combate ao antissemitismo enviou, em 3 de abril, exigências de reformas na governança como condição para manter o financiamento.

Na carta de 11 de abril, o governo detalhou novas exigências, como: garantir “diversidade de pensamento” nos departamentos acadêmicos; adotar critérios puramente meritocráticos em issões e contratações; eliminar programas de diversidade, equidade e inclusão; reduzir a influência de professores “mais comprometidos com ativismo que com o ensino”; e banir estudantes estrangeiros “hostis aos valores americanos”.

Garber recusou as exigências. Em nota de 14 de abril, afirmou: “Nenhum governo — seja qual for o partido no poder — deve ditar o que universidades privadas podem ensinar, quem podem itir ou contratar, e quais áreas de estudo podem explorar”. Horas depois, o governo congelou US$ 2,2 bilhões (R$ 12,4 bilhões) em subsídios plurianuais, e no dia 21 de abril Harvard processou o governo.

O conflito continuou. Em 5 de maio, a secretária da Educação, Linda McMahon, enviou carta informando que Harvard não receberá novos recursos até provar “gestão responsável”. Poucos dias depois, oito agências federais encerraram contratos que somavam US$ 450 milhões (R$ 2,5 bilhões).

Em 13 de maio, a universidade ampliou sua ação judicial para incluir os cortes adicionais.

O que diz o processo movido por Harvard?

Harvard entrou com uma ação contra agências do governo federal e autoridades em um tribunal de Boston, alegando que o congelamento viola sua liberdade de expressão, protegida pela Primeira Emenda. Segundo a ação, o governo tenta “coagir Harvard a adotar visões e ideologias de sua preferência” e alega que as agências estão exercendo controle indevido sobre a instituição.

A ação também argumenta que houve violação de normas federais para cortes de financiamento. O governo invocou o Título VI da Lei dos Direitos Civis de 1964 — que proíbe discriminação por raça, cor ou origem nacional — para justificar suas ações. Mas Harvard afirma que a lei prevê a chance de corrigir falhas em parceria com o governo, e que isso não foi permitido.

O processo atualizado reitera as acusações de que diversas agências violaram a Primeira Emenda e a Lei de Procedimento istrativo ao suspender abruptamente os recursos.

Quais são os impactos do bloqueio?

Em carta à comunidade universitária, Garber alertou que as consequências serão “graves e duradouras”. A pesquisa em áreas como câncer infantil, esclerose múltipla, Parkinson e Alzheimer será diretamente afetada. O bloqueio também compromete a formação de milhares de estudantes de pós-graduação e pesquisadores em ciência, tecnologia, medicina e saúde pública.

No último ano letivo, Harvard recebeu cerca de US$ 700 milhões (R$ 3,9 bilhões) em financiamento federal. Para compensar a perda, a universidade vai liberar US$ 250 milhões (R$ 1,4 bilhão) adicionais de recursos próprios para pesquisas em 2025, além dos US$ 500 milhões (R$ 2,8 bilhões) já destinados anualmente. Garber ainda anunciou que reduzirá seu salário em 25% a partir de julho.

O fundo patrimonial de Harvard pode cobrir os prejuízos?

A universidade tem um fundo patrimonial superior a US$ 53 bilhões (R$ 299 bilhões). Mas, ao contrário de uma conta bancária, esse fundo não pode ser ado livremente. Parte dele é distribuída anualmente para o orçamento, enquanto outra parcela é vinculada a projetos específicos ou investida em ativos ilíquidos.

Qual o impacto da suspensão de matrículas de estudantes estrangeiros?

Quase 6.800 estudantes internacionais — 27% do total — vêm de mais de 140 países. Em 2006, esse número era 19,6%. A perda dessas matrículas pressiona ainda mais as finanças da instituição.

Para estrangeiros aprovados para iniciar o curso em setembro, o impacto é imediato. A data limite para confirmar a matrícula foi 1º de maio — a mesma de grande parte das universidades americanas.

Um presidente pode revogar o status fiscal de uma universidade?

Em 2 de maio, Trump escreveu em sua rede Truth Social: “Vamos retirar o status fiscal de Harvard. É o que eles merecem!”. Ele vinha ameaçando essa medida havia semanas.

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