EUA começam a taxar China em 104% nesta quarta-feira. Tarifas também começam para diversos outros países
Repórter de macroeconomia Publicado em 9 de abril de 2025 às 06h23. Última atualização em 9 de abril de 2025 às 18h03.
"Designed in California, Assembled in China". A frase impressa na traseira dos iPhones é um dos símbolos de uma das maiores parcerias econômicas da história. Desde os anos 1980, Estados Unidos e China expandiram sua integração a tal ponto que as trocas de produtos entre eles atingiram mais de US$ 500 bilhões por ano.
Como resultado, os EUA se mantiveram no posto de maior economia do mundo, e a China deixou de ser um país empobrecido para se tornar a segunda maior economia global em menos de 50 anos.
Esta parceria, no entanto, vive um momento de grande ameaça e, nesta quarta-feira, 9 de abril, levou seu maior golpe em muitos anos. À meia-noite, entraram em vigor tarifas de importação extras, impostas pelos Estados Unidos.
Horas depois, no começo da tarde, Trump aumentou a taxa sobre a China para 125%, e adiou a implantação de tarifas extras aos outros países.
Na semana ada, Trump anunciou que taxaria quase todos os países do mundo, com tarifas de importação a partir de 10%. Essa cobrança de 10% entrou em vigor no sábado, 5, e o Brasil ficou nessa categoria mais baixa.
Nesta quarta, 9, entraram em vigor as tarifas adicionais. Assim, a União Europeia ou a ser cobrada em 10% no sábado e em mais 10% agora, somando 20%, por exemplo. Também entraram em vigor tarifas extras contra outros países e blocos, como Vietnã (46%) e Japão (24%). Veja a lista completa abaixo.
Com isso, ao se somar a outras taxas, a cobrança sobre produtos chineses enviados aos EUA subirá para 104%. Assim, um produto que chegue no porto de Los Angeles, vindo da China, no valor de US$ 100, teria de pagar US$ 104 em taxas, em uma conta simplificada.
As novas taxas deixaram de fora aço, alumínio, carros e autopeças, já taxados em 25%, e outros itens, incluindo semicondutores, remédios e outros itens. A ordem de Trump determina ainda que México e Canadá não serão afetados. Serão mantidos os percentuais anunciados em janeiro e depois revistos. As isenções dadas com base no tratado USMCA também serão mantidas.
As novas tarifas marcam o maior aumento desde a década de 1930 e mudarão a dinâmica do comércio global, aponta uma análise da consultoria Moody's.
"As ferramentas protecionistas aumentam a complexidade e o custo do comércio global e enfraquecem as perspectivas de crescimento, especialmente para economias dependentes do comércio, bem como para muitos setores. A incerteza já está pesando sobre a confiança empresarial e atrasando o investimento", afirma a Moody's.
A agência aponta ainda que as tarifas aumentam o risco de recessão nos EUA e reduzem a perspectiva de crescimento dos países do G20.
Trump defende o contrário: ele considera que as tarifas são uma ótima forma de aumentar a riqueza dos EUA, pois elas vão ajudar a reduzir o déficit comercial do país e fazer outros países se comprometerem a comprar mais itens americanos. Ele diz ainda que a medida aumentará a arrecadação de impostos e gerará mais empregos no país.
As tarifas de Trump têm gerado forte turbulência nos mercados. As bolsas da Ásia e dos EUA tiveram quedas históricas nos últimos dias, assim como as ações de várias empresas americanas, inclusive a Apple. As ações da empresa (AAPL) caíram de US$ 223, no dia 2 de abril, antes do anúncio de Trump, para US$ 173.11 no fechamento de terça-feira, 8.
No Brasil, o dólar teve comportamento errático. Caiu a R$ 5,60 no final da semana ada, mas bateu os R$ 6 na terça-feira , conforme a guerra comercial se intensificou.
Apesar da entrada em vigor das tarifas, o cenário segue extremamente incerto. Na ordem executiva que determinou as tarifas, Trump disse que há espaço para aumentar ou baixar as tarifas, conforme o presidente avaliar a reação de outros países.
2 /5O presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente francês, Emmanuel Macron, apertam as mãos no final de uma entrevista coletiva conjunta no Salão Leste da Casa Branca, em Washington, DC, em 24 de fevereiro de 2025. (Foto de ROBERTO SCHMIDT / AFP)(Donald Trump Emmanuel Macron)
3 /5O presidente Trump se encontra com o rei e o príncipe herdeiro da Jordânia na Casa Branca(President Trump Meets With The King And Crown Prince Of Jordan At The White House)
4 /5Os presidentes Javier Milei e Donald Trump, em evento nos EUA(Trump e Milei)
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A Casa Branca disse que mais de 70 países procuraram o governo americano para negociar contrapartidas para que as taxas sejam suspensas. O Brasil está entre eles, e tem mantido conversas, com apoio de entidades empresariais.
Além disso, é grande a chance que mais países anunciem retaliações contra os EUA, o que escalará ainda mais o conflito comercial. A União Europeia e o Reino Unido, por exemplo, dizem que estudam formas de retaliar. O desafio é determinar quais produtos a serem taxados poderiam gerar mais dores de cabeça para os EUA e menos incômodos para os fabricantes europeus, por exemplo.
Além de impor tarifas, a China tem várias outras possibilidades de retaliar os EUA, como limitar o o a terras raras e desvalorizar o yuan.
Para Claudia Trevisan, diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, a chance de uma desvalorização mais acentuada da moeda chinesa é pequena. "Acho improvável que eles façam uma desvalorização muito significativa. Pode gerar fuga de capitais e a liderança chinesa está querendo manter a moeda relativamente estável", diz.
Para o Brasil, os efeitos das tarifas ainda são, também, incertos. O país poderá ocupar mercados, como vender mais soja para a China para compensar o volume que o país asiático compra dos EUA e eventualmente receber mais produtos que antes iriam aos EUA. Por outro lado, pode também sofrer com a alta do dólar puxada pela incerteza global e com os rompimentos das cadeias de suprimentos, que vão encarecer produtos.
“Eu acredito que sim [o Brasil se beneficia da guerra tarifária] porque nossos produtos no mercado dos Estados Unidos vão ficar mais baratos, por definição. Se não estou enganado, as tarifas substituíram a política de cotas duras. Podemos avançar no que eles importam hoje”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em evento na terça, 8 .
Analistas apontam que a hipótese provável é que as empresas acabem reando o custo das tarifas aos consumidores. Assim, o iPhone 16, por exemplo, poderia ar de US$ 799 para US$ 1.142 , segundo projeção da agência americana Rosenblatt Securities, citada pela Reuters.
Apesar dessa taxa alta, o cenário de um iPhone "assembled in the USA", ainda parece distante. Nos EUA, os salários são mais altos do que na Ásia, e a incerteza sobre o cenário à frente faz com que as empresas estejam reticentes sobre investimentos de longo prazo. A tranquilidade de montar um produto usando peças e ideias de várias partes do mundo vai se tornando, aos poucos, algo do ado.