Com graduação marcada para a próxima semana, Eduardo Vasconcelos descreve a aflição da comunidade brasileira na universidade e a situação de completa incerteza para quem está se formando ou foi aprovado para o ano letivo, que começa em agosto
Editor de Macroeconomia Publicado em 23 de maio de 2025 às 17h33. Última atualização em 23 de maio de 2025 às 17h57.
Incredulidade, medo, desolação e frustração. Essas palavras talvez resumam o sentimento dos mais de 200 estudantes e profissionais brasileiros da Universidade Harvard nos últimos tempos — e em especial na última semana.
Na quinta-feira, 22, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou a permissão da instituição de receber estudantes internacionais. Nessa sexta-feira, a justiça dos EUA impediu liminarmente a decisão de Trump , mas a incerteza é altíssima. "É uma indignação em torno do absurdo, de uma decisão que beira a insanidade", diz Eduardo Vasconcellos, estudante brasileiro que terá sua cerimônia de graduação na próxima semana.
Após quatro anos, ele se forma em economia e governo por Harvard. E não consegue se conformar com a situação de alunos, pesquisadores e funcionários brasileiros e internacionais. Segundo Vasconcellos, os últimos meses foram cercados de medo do que poderia acontecer e de ser perseguido ao se pronunciar sobre o caso.
"Há uma frustração que estejamos sendo utilizados como uma moeda de troca", diz, acrescentando que as medidas causaram indignação na comunidade estudantil. "Há uma indignação no ar, de quão rápido a democracia americana erodiu. É uma indignação em torno do absurdo, de uma decisão que beira a insanidade. É uma mistura desses sentimentos."
A família do estudante brasileiro desembarcou nos Estados Unidos para participar da semana de formatura tradicional da universidade horas antes da decisão de Trump. "Eu recebi a notícia horas depois de a minha família chegar aqui. Veja, eles apresentaram o meu I-20 [ Certificado de Elegibilidade para Status de Estudante Não Imigrante, como referência ] na imigração. Se eles tivessem apresentado 4 horas depois da chegada, eles estariam apresentando um documento inválido. Então foi um dia de aflição mesmo", afirma.
Em conversa com a EXAME, Vasconcelos relata ter uma oferta de emprego no país e não saber se poderá aproveitá-la. Ele conta também a movimentação dos alunos para convencer o presidente de Harvard, Alan Garber, a não aceitar as exigências do departamento de educação dos EUA, como eliminar programas de diversidade, equidade e inclusão e avaliar estudantes internacionais com base em preocupações ideológicas — a base da discussão jurídica atual. O futuro, aponta, está totalmente incerto para esses estudantes.
"O que eu percebo é que a universidade não nos a a mensagem de que a situação está sob controle. Eu acho que essa é uma parte um pouco apavorante. A universidade, em nenhum momento, está colocando que irá conseguir vencer essa batalha na justiça", afirma.
Como foi a recepção da notícia de que a Universidade Harvard não poderia conceder vistos a estudantes internacionais?
Aconteceu horas depois de a minha família chegar aqui para a minha graduação. Foi um dia pesado. O sentimento da comunidade brasileira e internacional é uma mistura de frustrações. Todo mundo que está aqui se dedica imensamente a seus projetos, de pesquisa, suas aulas, trabalha o tempo todo para chegar aqui. Há uma frustração que estejamos sendo utilizados como uma moeda de troca. Além disso, há um segundo sentimento, de medo.
Como assim?
A gente vem escutando histórias de estudantes perseguidos por falar contra a istração [de Trump], pessoas que publicaram opinião em veículos de comunicação que tiveram vistos revogados a partir disso. Então, há um medo. E o terceiro sentimento é de indignação. Há uma indignação no ar, de quão rápido a democracia norte-americana erodiu. É uma indignação em torno do absurdo, de uma decisão que beira a insanidade. É uma mistura desses três sentimentos.
E como foi a recepção no dia?
Eu recebi a notícia horas depois de a minha família chegar aqui. Veja, eles apresentaram o meu I-20 [Certificado de Elegibilidade para Status de Estudante Não Imigrante, como referência] na imigração. Se eles tivessem apresentado quatro horas depois da chegada, eles estariam apresentando o meu documento inválido. Então foi um dia de aflição mesmo.
Como a comunidade de estudantes internacionais e brasileiros reagiu?
Estamos em protesto tem mais ou menos um mês. Houve uma grande mobilização dos estudantes, que convidou os professores e membros da comunidade, e fez parte do processo de convencer o presidente de Harvard, Alan Garber, a não aceitar as medidas impostas pelo governo de Trump. Houve uma carta assinada por mais de 600 professores da faculdade, contrários a cedermos a nossa liberdade de expressão na faculdade, a liberdade da universidade de escolher seus professores e de manter as suas políticas de inclusão à diversidade. Há uma mobilização nas ruas mesmo de protesto, que já começou e vem sendo bem potente. E houve uma segunda mobilização, dos estudantes internacionais, em uma aliança para tentar gerar pressão internacional. Inclusive contatamos o ministro [das Relações Exteriores], Mauro Vieira, que já está prestando apoio consular a todos os estudantes que estão aqui.
Qual o objetivo?
A ideia é que a gente consiga ter uma capacidade maior de influenciar a opinião pública, de mostrar que é uma medida sem razoabilidade. É completamente desproporcional qualquer alegação feita pela istração do governo Trump. Então esse é um cuidado que estamos tendo com os veículos de comunicação. A opinião pública acaba importando muito; o quanto Trump tem a capacidade de tomar esse tipo de medida e sair ileso na sua avaliação com a opinião pública.
E quais as medidas que vocês tomaram efetivas para tentar se antecipar?
Foram algumas. Falando em específico da comunidade brasileira, hoje a nossa estimativa é que a gente tinha 230 estudantes e pesquisadores brasileiros aqui em Harvard. A gente tem um pouco mais de 20 professores e já teve uma sequência de oportunidades de trabalho nos próximos meses em risco por causa desse medo de não poder regressar aos Estados Unidos. E isso veio a partir de uma notificação da própria universidade sobre a possibilidade de ar os próximos quatro meses aqui, que é o período de estágios. Isso vem afetando os estudantes da graduação, da pós-graduação e o doutorado. Tenho colegas brasileiros que aram por situação de emergência familiar e não estão podendo visitar a família. Você não consegue ir ao seu país e voltar, porque há essa possibilidade de que a qualquer momento a liminar caia ou de que a decisão de ontem permaneça e você não estar resguardado.
Essa medida já teve efeitos práticos para quem se planeja para ir para a universidade?
A gente já tem estudantes que foram recém-aprovados em Harvard que, ao aplicar para o visto, já está aparecendo como aplicação inválida. Ontem, a gente teve estudantes que, na aplicação consular, apareceu dizendo que Harvard não tem a permissão de receber estudantes internacionais. Foi uma medida que o aparato istrativo do governo federal se mobilizou para, de fato, a gente perder esse direito de estar aqui. Não foi um mero blefe.
Como a universidade tem auxiliado?
A primeira coisa que a universidade fez foi iniciar uma linha de processo na justiça. O escritório de estudantes internacionais está com um apoio de horas-extra. A qualquer momento, você pode ligar e receber apoio. E também tem um serviço de apoio psicológico e emocional à disposição. Agora, o que eu percebo é que a universidade não nos a a mensagem de que a situação está sob controle. Eu acho que essa é uma parte pouco apavorante. A universidade, em nenhum momento, está colocando que irá conseguir vencer essa batalha na justiça. Então, os estudantes já estão fazendo tudo quanto é tipo de planejamento. Se continua aqui, se tranca ou se tem como fazer um diploma duplo em outra universidade, por exemplo. Nos grupos, estamos recebendo todo tipo de cálculo.
Como a sua situação fica?
Tenho uma oferta de trabalho em Nova York. Se o Trump vencer [a disputa judicial], nós perdemos a permissão de trabalhar nos Estados Unidos. O nosso visto de trabalho, assim que saímos da faculdade, é afiliado ao nosso visto estudantil. Há estudantes hoje que já se formaram e estão no mercado de trabalho. Então, há uma perda econômica também de empregadores que hoje estão com a força de trabalho de estudantes internacionais.
Em suma, uma situação completamente indefinida...
Totalmente indefinida.
Como está a reação dos alunos internacionais e a interação com eles?
Há uma sensação de incredulidade. É difícil acreditar que a uma semana para a graduação isso esteja acontecendo. É uma sensação estranha porque você trabalha tanto durante a faculdade e agora é considerado ilegal. A medida de ontem tornou automaticamente nossos dados ilegais. É uma invalidação de todo o trabalho que a gente fez. Há reação bem vocal e uma desolação no ar. Os estudantes recém-aprovados tiveram que declarar que viriam para cá há umas três semanas. Então, rejeitaram as ofertas de outras universidades. Agora esses estudantes estão no limbo. Eles perderam a oferta das outras faculdades, estão somente com Harvard [aprovados] e não sabem se vão conseguir o visto para os próximos meses. E tem um último fator, que é o custo perverso nessa medida. É o custo do sonho de crianças e adolescentes que viam em Harvard uma motivação para continuar estudando. É a ideia de que somente crianças nascidas na Espanha pudessem jogar no Barcelona e no Real Madrid. O talento e a criatividade estão dispersos no mundo. A universidade funciona como um símbolo de educação, um símbolo de ciência, que motiva muitos jovens. É como se você restringisse a possibilidade de sonhar.