Inteligência Artificial

Fim da imaginação

Quando a cultura vira commodity algorítmica, qual é o papel dos humanos?

Filósofo Marcus Bruzzo

Filósofo Marcus Bruzzo

Miguel Fernandes
Miguel Fernandes

Chief Artificial Intelligence Officer da Exame

Publicado em 8 de maio de 2025 às 12h59.

Última atualização em 8 de maio de 2025 às 15h00.

Fiquei sem resposta quando o CEO de uma das maiores empresas do país me perguntou “se nossa comunicação for escrita 100% por IA, nossa marca ainda será autêntica?” A questão não é só produtividade ou redução de custos; é a própria identidade de uma instituição centenária, acostumada a vender confiança. É o surgimento de um novo tipo de cultura para além daquela que surge das dinâmicas sociais e da representação que nós humanos fazemos delas.

A inquietação corporativa se tornou angústia filosófica. Isso foi tema de uma conversa que tive com o filósofo Marcus Bruzzo para investigar como a cultura de símbolos, aqueles que sustentam marcas e reputações, muda de dono quando algoritmos começam a escrever, desenhar e imaginar por nós.

Bruzzo é autor de O Universo dos Sonhos Técnicos: Como as Inteligências Artificiais Redefinirão Nossa Imaginação. Ele foi direto ao ponto: “A imaginação era um privilégio humano, mas agora as máquinas assumem esse papel — e poderemos sonhar os sonhos das máquinas.”

A explosão invisível

Geradores de imagem por IA produziram mais 150 bilhões de imagens, mais do que toda a produção fotográfica dos primeiros 150 anos da fotografia “analógica”. Recentemente publicamos aqui na Exame estudos mostrando que Marketing e Vendas concentram 34 % das implantações de IA generativa no Brasil, principalmente para personalizar e criar campanhas. Cultura virou linha de produção.

Da ferramenta ao protagonista

Bruzzo me disse que a IA deixou de ser mero utensílio e ou a atuar como agente cultural independente, decidindo quais símbolos ganham palco e quais caem no esquecimento. Nessa hora lembrei do Yuval Harari que ecoa o alerta: quem controla as narrativas controla a sociedade, e, por tabela, os mercados. Quando transferimos esse poder a um algoritmo, entregamos também parte da nossa vantagem competitiva.

O custo invisível da escala

Executivos ficam maravilhados com o ganho de produtividade, mas Bruzzo ironiza: “Se eu escrevo com IA e alguém lê com IA, somos dois idiotas atrapalhando a IA… era melhor ela escrever para ela mesma.” Quando tudo se torna abundante, a única escassez valiosa é a centelha humana, a pausa, a ambiguidade, o erro.

A IA não tem pressa

Antes de o assunto ser varrido pela pressa da próxima sprint, vale encarar essas três questões. Primeiro, onde sua empresa ainda tolera a lentidão criativa, aquela meia hora de silêncio sem prompt? Depois, como mensurar originalidade num mundo em que likes já são otimizados por modelos estatísticos? E, por fim, quem assume o risco reputacional quando deepfakes e violações autorais explodem na mesma velocidade das imagens geradas?

Além do hype

Não sou ludita; lidero projetos de IA que poupam milhões e multiplicam receitas. Mas imaginação não é planilha. Bruzzo resume bem: “Precisamos ser começo e fim; a IA pode ser o meio — nunca o propósito.”

Se a máquina a a sonhar por nós, cabe a cada CEO reaprender a sonhar acordado. Quando tudo estiver disponível em alta resolução instantânea, sua diferença de mercado será justamente aquilo que o algoritmo não consegue prever, o lampejo humano, incômodo e imperfeito, que insiste em permanecer fora do prompt.

Assista a conversa completa aqui: https://youtu.be/yKe2v7oDAr0

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