A EXAME conversou com Dean Muruven, especialista em gestão de recursos hídricos do Boston Consulting Group, e teve o a um estudo exclusivo que retrata a escassez de água no mundo
Estudo do BCG revela que a escassez hídrica afeta cerca de metade da população mundial e 46% do PIB global estará em regiões com alto risco até 2050 (Moyo Studio/Getty Images)
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 28 de fevereiro de 2025 às 08h00.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2025 às 09h43.

"Aáguaé como você sente asmudanças climáticas". A reflexão é de Dean Muruven, especialista em gestão integrada de recursos hídricos do Boston Consulting Group (BCG), em entrevista exclusiva à EXAME.

Natural da África do Sul, o executivo atua globalmente e estava de agem pelo Brasil nesta semana para aprofundar a agenda no ano em que o país recebe a Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP30), em Belém do Pará.

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A crise hídrica global é retrato de uma tripla crise: ambiental, social e econômica. Seja pela falta ou excesso dela, seus efeitos podem ser sentidos de diferentes formas por eventos climáticos extremos— como secas e inundações. Além disso, está relacionada à perda de biodiversidade: espécies de água doce estão declinando mais do que qualquer outra.

Por se tratar de um sistema interconectado, muitas vezes a água não é limpa e segura para consumo, o que traz um desafio extra muito vivenciado no Brasil: a falta de o ao saneamento básico, frisou Dean. Mesmo em um país conhecido pela abundância do recurso natural, existem vários problemas estruturais -- especialmente na região Norte e Nordeste.

Já no mundo, os recursos hídricos renováveis diminuíram em mais da metade devido à extração excessiva e outras práticas de má gestão, segundo o BCG.

Em 2024, um levantamento da ONU mostrou que mais de 4 bilhões de pessoas carecem de o a água potável. E o ano começa com um alerta de umnovo estudo do BCGdivulgado com exclusividade pela EXAME: aescassez hídricaafeta cerca de metade da população mundial e 46% doPIB globalestará em regiões com alto risco hídrico até 2050.

"Fundamentalmente, é umacrise econômica. O setor agrícola é o maior consumidor de água na maioria dos países. Se isso colapsar, nossos sistemas alimentares também colapsam", destacou Dean.

Dean Muruven, BCG (BCG)

Outro dado mostra que60% da agriculturairrigada do mundo enfrenta níveis extremamente altos deestresse hídrico. Outros setores também são impactados: o de alimentos e bebidas em geral e até o de tecnologia, visto que os data centers utilizados para alimentar a inteligência artificial são grandes consumidores de água.

"Percebemos novas companhias que antes não pensavam ter qualquer exposição ao risco da água começando a entender o problema. É o caso de energia, mineração ", acrescentou Dean.

Falta de investimentos

Segundo o executivo, um dos desafios atuais é que a crise global da água não está no topo das prioridades de governos e na alocação de recursos. Parte dessa complexidade, se daria pelo fato de ser uma crise ambiental. Por outro lado, também é social, visto que este recurso natural é um direito humano fundamental e não se pode precificar um valor como na energia, por exemplo.

Mesmo sendo a maior preciosidade que temos no planeta,a água ainda é subvalorizada. O estudo revelou que o subinvestimento no setor hídrico é evidente: enquanto os fundos de capital destinaram mais de 25% para energia em 2021, apenas 1% foi para este recurso.

Por outro lado, investir US$ 1 trilhão eminfraestrutura hídricaaté 2030 poderia gerar US$ 7 trilhões (R$ 40.920 tri) embenefícios financeiros. Enquanto n ão fazer esses investimentos poderia resultar em custos sociais impressionantes que variam de US$ 2 trilhões (R$ 11.684 tri) a US$ 10 trilhões (R$ 58.407 tri)

A falta de financiamento é um dos grandes desafios para impulsionar e escalar soluções verdes e de adaptação climática e resiliência, ao mesmo tempo que escancaram a necessidade urgente de destravar estes recursos para garantir a segurança hídrica e a sustentabilidade a longo prazo, acredita o BCG.

Para Dean, é urgente valorizar a água, definir um preço melhor e enviar os sinais de mercado certos para atrair o investimento, tanto do setor público como privado. "O que temos é uma questão sistêmica em todo o mundo. Como se trata de um direito humano, é uma questão politicamente sensível e nenhum governo quer precificar no seu mandato",  explicou.

Para fechar a lacuna deinfraestrutura,o especialista acredita que é preciso primeiro lidar com a questão da precificação.

Cidades mais resilientes

Um dos focos de atuação da consultoria neste ano é ajudar seus clientes a construiremsistemas resilientes de água e alimentos,entendendo que as áreas também se conectam com a agenda deenergia.

Em ano de COP30, Dean acredita que "os grandes desafios são oportunidades" e que o Brasil pode encontrar ou criar formas de inovar em adaptação climática.

"A singularidade no contexto brasileiro éque será preciso trazeralguns novos sistemas do zero. Você pode inovar e existe um papel para a tecnologia e a IA desempenharem, no sentido de como podemos monitorar a infraestrutura de água para evitar perdas no sistema", disse.

Segundo ele, muitas soluções já existem, mas é preciso ganhar escala e pensar em diversificá-las em termos de fontes de água. "Sejam aquelas de infraestrutura, desoluções baseadas na naturezaouáreas verdes, o desafio é como podemos garantir que o dinheiro flua para elas", complementou.

Em relação às melhores tecnologias e inovações para o setor de água, Dean ressaltou que a maior resposta pode estar na própria natureza. "Não é oVale do Silício, em San Francisco, que sempre vai resolver os problemas. Parte disso é tão simples quanto gerenciar ainfraestrutura natural".

Além disso, olhar para sistemas mais modulares e locais, em vez de apenas para grandes projetos de engenharia.

Como um bom exemplo pelo mundo, ele cita aSingapura, por suas políticas emadaptação e gestão hídrica. "Como uma pequena nação insular, eles entenderam o que é crítico para eles em segurança alimentar e indústria. Então, definiram um preço para a água e enviaram sinais ao mercado, assim como apostaram em uma estratégia de reúso edessalinização", concluiu Dean.

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