Berlim, capital da Alemanha: em 2025, país lançou prêmio aos gestores hábeis em copiar boas práticas na istração pública (Sean Gallup/Getty Images)
CEO da Comunitas e colunista
Publicado em 5 de maio de 2025 às 19h08.
Última atualização em 5 de maio de 2025 às 19h11.
Em um mundo repleto de desafios complexos e recursos invariavelmente limitados, persiste uma tendência curiosa: a paixão por começar do zero.
Seja na istração pública, na filantropia ou no terceiro setor, a ânsia por criar a "próxima grande inovação" muitas vezes nos cega para uma verdade mais pragmática e potencialmente mais transformadora: soluções eficazes para muitos dos nossos problemas já existem, testadas e comprovadas em algum lugar.
A questão não é tanto a falta de ideias, mas a nossa dificuldade crônica em identificar, adaptar e, especialmente, escalar o que já demonstrou funcionar.
Essa replicação constante de esforços, essa insistência em reinventar a roda a cada novo ciclo orçamentário ou mandato político, representa um desperdício monumental. Desperdiçamos não apenas dinheiro público e filantrópico, mas também tempo precioso e a oportunidade de gerar impacto positivo na vida das pessoas de forma mais rápida e eficiente.
Felizmente, começam a surgir movimentos e modelos institucionais que reconhecem essa falha e buscam ativamente construir pontes entre o sucesso localizado e a aplicação em larga escala. Trata-se de uma mudança de mentalidade: da celebração da novidade pela novidade para a valorização da replicação estruturada e da inteligência coletiva.
Uma das abordagens mais consolidadas nessa linha talvez venha do Reino Unido, com sua rede de What Works Centres. Iniciada formalmente em 2013, essa iniciativa representa um esforço sistêmico para fortalecer o uso de evidências na formulação de políticas e na prestação de serviços públicos.
A premissa é simples, mas poderosa: ajudar profissionais e gestores atarefados a ar o melhor conhecimento disponível sobre "o que funciona" em áreas tão diversas quanto educação, redução da criminalidade, bem-estar, envelhecimento e assistência social infantil.
Esses centros não apenas sintetizam pesquisas complexas em formatos íveis mas também atuam para preencher lacunas no conhecimento, financiando estudos e experimentos controlados, como os inúmeros Ensaios Clínicos Randomizados (RCTs).
Se identificar o que funciona é importante, reconhecer e incentivar ativamente o ato de adaptação e reutilização é um o adiante, igualmente vital. A Alemanha nos oferece um exemplo notável com o "Ko-Pionier-Preis" (Prêmio Co-Pioneiro).
Lançado em 2025, este prêmio foca explicitamente em homenagear não os inventores originais, mas sim as istrações e os indivíduos que demonstram excelência em replicar boas práticas já comprovadamente efetivas. A lógica é clara: copiar e adaptar boas soluções de outros é tão decisivo para o bom funcionamento dos serviços quanto a invenção inicial.
O prêmio, concedido por um júri de profissionais da istração pública em categorias como "Redução da Burocracia", "Digitalização da istração" e "Coesão Social", reconhece o "grande esforço dos co-pioneiros" em adequar ideias existentes à sua própria realidade istrativa.
A iniciativa não apenas valida a prática da reutilização, mas também lhe confere prestígio, celebrando-a como um motor essencial da transformação rumo a um Estado moderno e eficiente. É um reconhecimento formal de que a inteligência reside tanto na criação quanto na replicação.
Identificar o que funciona, celebrar quem adapta com sucesso... Mas a verdadeira transformação reside na capacidade de escalar essas soluções comprovadas, levando-as a um número muito maior de beneficiários. É aqui que entra um terceiro modelo promissor, exemplificado pela atuação da Arnold Ventures em parceria com governos estaduais nos Estados Unidos.
A iniciativa "Colorado Partnership for Proven Initiatives" é um caso emblemático: combina US$ 20 milhões em fundos públicos e filantrópicos para expandir programas com sólida evidência de eficácia nas áreas de oportunidade econômica, força de trabalho e educação.
A genialidade do modelo reside no papel estratégico da filantropia. A Arnold Ventures não atua apenas como doadora, mas como uma ponte catalisadora, ajudando o setor público a fazer "apostas maiores" no que já se provou eficaz. A fundação oferece dólares filantrópicos de contrapartida ("matching funds") para incentivar a adoção de políticas baseadas em evidência.
E o modelo, ele mesmo, está sendo replicado. Parcerias semelhantes já foram firmadas em Oklahoma (US$ 10 milhões) e Maryland (US$ 20 milhões).
Estes exemplos – a infraestrutura de evidências do Reino Unido, a celebração da adaptação na Alemanha e a alavanca de financiamento e escala nos EUA – apontam na mesma direção: a valorização da evidência, a estruturação da aprendizagem e da replicação, e uma colaboração estratégica entre diferentes setores (público, privado, filantrópico, acadêmico).
Na Comunitas, esse princípio também orienta nossa forma de atuar. Os mais de 400 projetos desenvolvidos ao longo dos últimos anos não são apenas experiências pontuais, mas alimentam um processo contínuo de sistematização do conhecimento e levantamento de aprendizados.
Cada iniciativa é uma oportunidade de fortalecer lideranças públicas, consolidar boas práticas e garantir que as soluções implementadas ganhem sustentabilidade no tempo. A partir do diálogo entre gestores e equipes técnicas, construímos pontes que permitem replicar experiências bem-sucedidas em novos territórios, promovendo não apenas a inovação, mas a inteligência coletiva como ferramenta de transformação pública.
Abandonar a necessidade de ser sempre o pioneiro não é sinal de falta de ambição, mas de sabedoria. Deveríamos investir mais energia em construir mecanismos robustos para descobrir, adaptar e disseminar as soluções que já florescem ao nosso redor. O futuro não pertence apenas aos inventores, mas também, e talvez principalmente, àqueles que souberem aprender e construir sobre o que já se provou valioso.