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Colunista
Publicado em 10 de maio de 2025 às 08h02.
Corria maio de 2019 quando liguei na Mercedes com um pedido simples: fotografar o Classe A nacional número um para uma matéria nesta coluna. A empresa havia recomprado o primeiro exemplar produzido em sua planta de Juiz de Fora (MG), anos depois de vendê-lo como se aquele A 160 Classic Azul Azurita 1999 fosse igual aos outros 63.488 que saíram dali por cerca de seis anos, e não uma peça histórica.
Durante a sessão de fotos, tomei coragem e pedi para dirigi-lo. Só uma voltinha, dentro da fábrica mesmo. Eis que a colega da assessoria de imprensa da Mercedes saca um comodato de empréstimo. “Devolvendo até amanhã à tarde está ótimo”, apenas pediu.
É como se, guardadas as devidas dimensões históricas, o Museu do Louvre tivesse me emprestado a Mona Lisa para enfeitar a parede de casa por uma noite. De volta à Mercedes no dia seguinte, depois de acrescentar 115 quilômetros aos 25.278 originais, me senti privilegiado por ter conhecido a intimidade de um Classe A tão importante – e aliviado por tê-lo devolvido ileso.
Veículos de acervos históricos de fabricantes são um fetiche para a maioria dos jornalistas automotivos. Experimentá-los é uma conquista, um troféu que inscrevemos no currículo – como se fosse algo relevante.
Meu primeiro foi o Santana EX que a Engenharia da Volkswagen usou para homologação do modelo. Depois veio o Cachacinha, primeiro Fiat 147 a álcool produzido; um Willys Interlagos e a primeira Scenic fabricada, ambos da Renault. Isso no Brasil. Lá fora dirigi um Plymouth Belvedere (com mecânica moderna e 717 cavalos) da Stellantis e um quattro da Audi Tradition.
No entanto, nenhum deles foi parceiro como o 147 L branco que levei para o último Rally Clássico São Paulo, encerrado em Indaiatuba, no interior.
Seis anos depois daquela ligação para a Mercedes, repeti o descaramento com a Fiat: “O 147 está disponível para um rali de regularidade de carro antigo?”. No que me devolveram: “Quantos quilômetros você pretende rodar?”. Respondi 250, no chute. Mas foi quase o dobro.
E assim eu estava novamente ao volante de uma relíquia, cujo interior mantém aquele cheiro inebriante de carro antigo (sim, eles têm um aroma próprio). Tão espaçosa quanto espartana, a cabine do 147 te ensina a valorizar comodidades hoje triviais, como porta-objetos, console central e isolamento acústico. Bancos com encosto de cabeça? Só na versão GLS.
Com aqueles 3,62 metros de comprimento, 1,54 de largura e 1,35 de altura em movimento, nota-se que realmente o motor de 1.049 cm3 nunca teve a intenção de emocionar, mas se mostrou tão modesto quanto valente com seus 55 cv e 7,8 kgfm de torque. E a fama de rebelde do câmbio comprovou-se justa.
Vencemos na categoria (Super Colecionáveis) não por que eu dirijo razoavelmente bem, mas porque meu camarada Wagner Saccomani é expert em navegação. A mim bastava regular a velocidade para a indicada na planilha e brisar: será que daqui a 20 ou 30 anos esse 147 L branco 1978 ainda estará no acervo da Fiat? E será que alguém saberá que, 20 ou 30 anos atrás, esse carro venceu seu primeiro rali de regularidade guiado por mim? “Sim, esse é aquele 147 que o Mora levou para um rali. Você acredita que ele ainda publica a coluna Mora nos Clássicos? Ele também dá consultoria, mas ficou rico mesmo com os cinco livros que publicou”, alguém me descreverá a outrem.
Bom, com os troféus no banco de trás, ainda tínhamos a volta para casa. À noite. Em um carro de 47 anos – que ao menos tinha um marcador de combustível confiável. Pois sabem até onde o 147 se segurou antes de ferver? A garagem de casa.
Uma gentileza dessas só carro antigo pratica.