China e Estados Unidos: novas tarifas chinesas am a valer a partir do próximo dia 10 (Aly Song/Reuters)
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 16 de abril de 2025 às 20h17.
Por *Diogo Costa
Um vídeo em que Friedman explica o milagre da fabricação de um lápis viralizou, atingindo mais de 42 milhões de visualizações e sendo compartilhado por Elon Musk e muitos outros. O vídeo destaca uma ideia simples, porém profunda: nenhuma pessoa no mundo sabe, sozinha, como fabricar um lápis. E, ainda assim, bilhões de lápis são produzidos diariamente.
Friedman se inspirou no ensaio "Eu, o Lápis" ("I, Pencil"), escrito em 1958 por Leonard Read, que segue como uma das mais impactantes reflexões sobre liberdade econômica já feitas. Um lápis, lembra Read, não é obra de uma única pessoa, empresa ou país. Ele resulta da cooperação silenciosa entre desconhecidos: madeireiros no Canadá, seringueiros na Malásia, caminhoneiros no Tennessee e investidores em cidades que talvez você nunca venha a visitar.
Não se trata apenas de uma lição sobre comércio, mas também sobre humildade. Comércio não é coerção, mas confiança e troca voluntária. É o milagre da coordenação descentralizada entre nações, indústrias e indivíduos.
Hoje, no entanto, esse milagre está sob ataque. E não por adversários estrangeiros, mas pelo próprio governo americano.
Um lápis só é possível graças ao comércio aberto. O mesmo vale para smartphones, fertilizantes usados por agricultores em Iowa, equipamentos médicos em clínicas rurais ou vigas de aço em obras na Geórgia. Empresas americanas dependem de insumos globais para se manterem competitivas, e as famílias dependem de bens íveis para equilibrar seus orçamentos. Quando aumentamos tarifas, não estamos taxando "estrangeiros", mas encarecendo tudo o que produzimos, cultivamos e consumimos. Estamos punindo justamente a cooperação que torna a vida cotidiana mais barata e o empreendedorismo mais viável.
O fato de os Estados Unidos terem déficits comerciais com países como Madagascar—de onde vem a baunilha das suas sobremesas—ou o Vietnã—onde são fabricados seus tênis esportivos—é tratado hoje como escândalo. A política tarifária da istração Trump parte do pressuposto de que todo déficit comercial é sinal de trapaça, injustiça e prejuízo para os americanos. No tarifaço do dia 2 de abril (agora suspenso por 90 dias), Trump decidiu impor tarifas de 47% ao Vietnã e 46% a Madagascar, como se esses países fossem obrigados a comprar dos americanos exatamente o mesmo volume que vendem aos EUA. Como se essas trocas fossem sinônimo de fraqueza ou traição, em vez de cooperação. Como se os americanos fossem explorados justamente por aqueles que tornam suas vidas melhores.
Essa lógica não é apenas má economia, mas má filosofia moral.
Na verdade, um déficit comercial significa apenas que compramos mais de um país do que ele de nós. Isso não é roubo nem traição e certamente não prova exploração. É resultado de trocas mutuamente vantajosas, frequentemente acompanhadas por entradas de capital, investimentos estrangeiros e confiança na economia americana. Não é possível manter um déficit em conta corrente sem que o mundo queira investir em seu futuro.
Sim, muitos países ainda impõem barreiras injustas aos produtos americanos, o que é um problema real. Mas isso requer soluções verdadeiras: estratégia diplomática, reformas institucionais e pressão internacional, não tarifas generalizadas aplicadas como punição. A resposta correta a políticas comerciais ruins no exterior não é adotar políticas ainda piores dentro de casa.
Mesmo líderes cujas políticas geraram ceticismo, como Franklin Roosevelt e Harry Truman, entendiam que liderança global exigia mais do que impulsividade. A arquitetura pós-guerra construída por Roosevelt—de Bretton Woods ao GATT—e os marcos institucionais adotados por Truman—como o Plano Marshall e a OTAN—refletiam a compreensão de que os interesses americanos deviam ser protegidos por estruturas duradouras, e não por espetáculos.
O que se vê hoje é diferente: tarifas impostas por decreto presidencial, empresas sendo pressionadas a fazer "investimentos patrióticos" e a estratégia comercial reduzida a um teste de lealdade. Não se trata dos EUA criando regras ou instituições duradouras, mas de uma política externa econômica conduzida como vendeta pessoal—improvisada, impulsiva e transacional.
Não foi assim que os fundadores da república americana imaginaram a liderança econômica do país. Eles acreditavam no equilíbrio institucional: o poder de tributar deveria caber ao Congresso, não ao Executivo. Construíram uma república baseada em regras, não em acordos pessoais. Não é assim que um país sério deve operar. Isso não representa uma ordem econômica baseada em regras, mas uma política feita caso a caso. As empresas estão sendo obrigadas a reorganizar cadeias de suprimentos e reinvestir nos EUA não por estabilidade ou reformas duradouras, mas por uma ordem que diz simplesmente: "Confie em mim".
Tarifas são impostos sobre consumidores e empresas americanas. Elas encarecem insumos, reduzem opções e atrasam investimentos. Não trazem empregos de volta, apenas tornam mais caras as ferramentas necessárias para criá-los.
Durante a campanha, o vice-presidente J.D. Vance afirmou que "um milhão de torradeiras baratas não vale o preço de um único emprego na indústria americana". A frase foi aplaudida, mas revela uma perigosa ilusão econômica.
Vance enxerga a torradeira, mas não vê milhões de famílias que economizaram comprando-a por US$20 em vez de US$80 e puderam, assim, adquirir alimentos, medicamentos ou material escolar. Ele não vê o pequeno empresário que adquiriu equipamentos mais baratos e contratou um funcionário adicional. Ele não percebe os milagres cotidianos do capital liberado, do investimento redirecionado e dos empregos indiretos gerados.
Henry Hazlitt chamava isso de falácia do "que se vê e do que não se vê". É o truque político mais antigo: mostrar o emprego na fábrica que pode ser salvo e esconder milhares de futuros melhores destruídos silenciosamente.
Uma economia global mais livre e justa não será alcançada destruindo confiança e aumentando impostos domésticos. Mas sim permitindo que investidores e empreendedores construam indústrias competitivas, investindo em educação continuada e inovação, e fortalecendo instituições mais duradouras que o rancor de um único líder.
Foi isso que os Estados Unidos já representaram: regras, não caprichos; instituições, não improvisação.
O que está em jogo vai muito além do saldo comercial. Em jogo está o modelo americano de liderança baseado em princípios, liberdade, confiança e regras claras. Se isso for perdido, perde-se o milagre silencioso por trás da fabricação de bilhões de lápis.
Publicado originalmente em The American Standard
*Diogo Costa é cientista político, presidente da Foundation for Economic Education (FEE) e ex-CEO do Instituto Millenium