Ciência

Como 'Manual do Mundo' revolucionou o ensino de ciência no YouTube e bateu recordes mundiais

Com mais de 20 milhões de inscritos, 'Manual do Mundo' é o maior canal de ciência em língua portuguesa e detém três recordes no Guinness Book

Iberê Thenório: criador do canal Manual do Mundo, que tem 19,5 milhões de inscritos no YouTube  (Manual do Mundo/Divulgação)

Iberê Thenório: criador do canal Manual do Mundo, que tem 19,5 milhões de inscritos no YouTube (Manual do Mundo/Divulgação)

Publicado em 31 de maio de 2025 às 12h10.

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Em 2008, Iberê Thenório e Mari Fulfaro deixaram o interior paulista para estudar em São Paulo. Foi lá que perceberam uma dificuldade comum: muitas pessoas não sabiam realizar tarefas simples em casa, como trocar uma tomada, um pneu ou pintar uma parede. Daí nasceu a ideia para a criação do Manual do Mundo, um canal focado em ensinar o do-it-yourself para o público brasileiro.

O canal foi criado no começo do YouTube, apenas três anos depois do lançamento oficial da plataforma, em uma época em que ela ainda era pouco conhecida e funcionava mais como um repositório de vídeos. "Criamos um blog que tinha explicações em texto e os vídeos eram uma complementação", diz Thenório em entrevista à EXAME.

Agora, 17 anos e nomeações no Guinness Book depois, o Manual do Mundo se tornou um dos maiores sucessos da internet, com 19,5 milhões de inscritos no YouTube. Para Thenório, um dos principais motivos para sucesso é a variedade de conteúdos que aborda. "Temos um vídeo sobre carro hoje e amanhã sobre uma curiosidade de uma melancia. A ideia é ser um canal muito diverso nos assuntos que trata", explica. O canal, segundo ele, se apoia na combinação de conteúdos educativos, diversificados e voltados para despertar a curiosidade do público.

Anualmente, estimativas do SocialBlade, site que monitora o rendimento dos youtubers no mundo todo, apontam que o canal Manual do Mundo pode faturar até US$ 1,9 milhão, enquanto a receita mensal varia entre US$ 12.000 e US$ 54.000. Esses valores (não oficiais) são calculados por análises externas que utilizam dados públicos do YouTube, como número de visualizações, inscritos e práticas comuns de monetização, incluindo AdSense, patrocínios e vendas de produtos. Mr. Beast, o maior youtuber do mundo, por exemplo, pode chegar a faturar US$ 137 milhões anualmente, segundo o site.

O modus operandi

A escolha dos temas dos vídeos não é arbitrária. Para decidir o que será abordado, Thenório afirma que fica de olho nos assuntos que estão em alta no momento, levando como critério principal o teor jornalístico na busca por assuntos atuais e relevante.

"Queremos pensar em uma coisa que está acontecendo neste momento e que faça sentido dentro do que as pessoas estão procurando", diz. "Fazemos o que está ao nosso alcance para trazer vídeos o mais interessante possível. Quando o YouTube surgiu, trouxe uma linguagem nova, muito mais simples e com menos recursos que a televisão", disse ele.

Além disso, a organização e o crescimento do Manual do Mundo aram muito pela atuação de Mari Fulfaro, esposa de Thenório e diretora-executiva do Manual do Mundo. "Durante esses 17 anos foi a Mari quem estava atrás da câmera cuidando da empresa. Ela pensou na estratégia de como vamos crescer no futuro, quais são os nichos que a gente tem que ocupar", explica Thenório. Atualmente, ela está mais afastada do canal para estudar Medicina.

Da escassez ao submarino

A jornada para a abertura do manual nem sempre foi fácil. Thenório lembra que, no começo, a maior dificuldade era a falta de equipamentos básicos, como câmeras.

"Tínhamos que emprestar câmeras de amigos, gravar vários vídeos correndo num dia para ter material reserva. Ficamos mais de um ano com câmeras emprestadas", diz. Além disso, a produção dos vídeos exigia muito esforço e planejamento, mesmo com recursos limitados.

Ele também destaca os desafios de manter o canal ativo e relevante ao longo dos anos. “Publicamos toda terça-feira desde 2010. Isso exige muito esforço”, afirma.

Para Thenório, a inquietação e a busca constante por inovação são essenciais. "Estamos sempre tentando criar novos formatos, surfar nas ondas que vêm, por exemplo, quando surgiu a onda de vídeos curtos nos esforçamos muito para conseguir formatos que fossem interessantes", conta.

Ele e Fulfaro, no entanto, não fazem o trabalho do canal sozinhos. “Quem olha o Manual do Mundo por fora pode ter a impressão que é um cara que grava os vídeos sozinho na sala de casa. Não, não é nada disso. Somos uma empresa de mais de 15 pessoas e temos um estúdio”, explica.

Um dos projetos mais desafiadores — e impressionantes — feito pela equipe foi a construção de um submarino caseiro que levou quatro anos para ser concluída. Embora o valor exato da produção não tenha sido divulgado, projetos similares, como o do youtuber Steve, custaram cerca de US$ 26 mil.

“O submarino foi uma promessa que fiz depois de termos construído vários barcos. Todo final de ano, a gente construía um barco ou o primeiro vídeo do ano do Manual do Mundo era um barco", diz Thenório. “Construímos cerca de oito barcos e tinha barco de tudo: fizemos barco de papelão, de garrafa PET, com cano de PVC, barco dobrável que você poderia guardar no guarda-roupas. Chegou uma hora que a gente estava cansado de barco e eu pensei em prometer uma coisa muito mais difícil para o ano que vem. E construir o submarino foi muito mais difícil do que a gente imaginava", conta.

Mas o susto mesmo veio quando ele descobriu o maior risco do projeto: a implosão causada pela pressão da água, que pode amassar o casco “como se fosse uma latinha de alumínio”.

Para evitar esse risco, a equipe criou uma solução engenhosa: pressurizar o submarino de dentro para fora, igualando a pressão interna à externa, de modo que, dentro da profundidade permitida, o casco não fosse submetido a forças que pudessem amassá-lo. A técnica física simples, porém eficaz, tornou “impossível implodir” o submarino enquanto estava submerso.

“Se ele descesse a 10 metros de profundidade, eu injetaria nele 1 ATM de pressão, que é o quanto a pressão da água estaria fazendo no casco. Assim, a pressão interna compensava a externa e o casco não sofria pressão”, explica. “É lógico que essa solução só funciona até certa profundidade, porque não dá para pressurizar infinitamente. Mas para o nosso projeto, foi o suficiente para garantir segurança.”

O submarino foi construído como um projeto experimental e educativo, mostrando o o a o da construção e funcionamento de um submersível simples. O casco foi feito em fibra de vidro, um material leve e resistente, ideal para ar a pressão da água em mergulhos rasos. “Pensamos em um projeto funcional, mas que fosse ível para entusiastas e curiosos da ciência”, afirma Thenório.

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O submarino funcionou com um sistema elétrico básico que controla a submersão e a flutuação. O controle da profundidade acontece por meio do ajuste do volume de água dentro do casco, o que altera a densidade total do veículo e permite que ele mergulhe ou emerja. “Mostramos na prática os conceitos científicos de pressão, densidade e princípios de Arquimedes, para que o público entenda como um submarino real funciona”, destaca Thenório.

O processo de construção foi compartilhado em vídeos e podcasts, detalhando os desafios enfrentados e as soluções encontradas, tornando o projeto ível a quem deseja aprender ou tentar construir algo semelhante. Além do submarino principal, o canal também explora variações menores, como drones submarinos e modelos feitos com garrafas PET, sempre com foco em educação científica e experimentação.

“Nosso objetivo foi combinar materiais íveis, conhecimento científico e muita experimentação para ensinar e inspirar nossos espectadores a entenderem a ciência por trás dos submarinos”, conclui Thenório.

O manual no Guinness

O "Manual do Mundo" chegou ao Guinness Book — e não só uma, mas três vezes. Em 2018, recebeu o título de “o maior canal de ciência e tecnologia em língua portuguesa”.

Outros recordes foram a maior pasta de dente de elefante do mundo, com 273 metros cúbicos de espuma gerada em uma reação química, e a maior estrutura feita de palitos de sorvete, com 23 metros de altura, quase o dobro do recorde anterior.

Sobre a pasta de dente de elefante, Thenório explica que foram usados mais de 273 mil litros de espuma, um volume muito maior do que o que vinha sendo feito em competições semelhantes nos Estados Unidos. “É uma experiência química que mistura iodeto de potássio em água oxigenada superconcentrada com um pouco de sabão para gerar espuma. Quando o sal é adicionado, a água oxigenada libera oxigênio, criando uma espuma absurdamente volumosa.”

Já a estrutura de palitos de sorvete teve seus próprios desafios. “A torre original no Canadá tinha 12 metros, e nós resolvemos fazer uma de 30 metros, o equivalente a um prédio de 10 andares. No entanto, durante a montagem, ela quebrou várias vezes, e tivemos que ajustar, até conseguir erguer uma torre de 23 metros”, conta Thenório. Mesmo não alcançando os 30 metros desejados, o resultado quase dobrou o recorde anterior.

Para Iberê, o segredo do sucesso é “muita regularidade”. Desde 2010, vídeos são publicados semanalmente, o que demanda planejamento intenso. “Quando viajamos, fazemos uma gaveta de vídeos e nos preparamos com muita antecedência.”

O canal também busca manter a qualidade e evitar que o conteúdo se torne monótono: “A gente não entra em um piloto automático”, afirma.

Educação ível

Um dos motivos para a existência do canal vem também da "importância de estimular o interesse e a curiosidade dos jovens pela ciência", segundo Thenório, podendo ajudar as crianças, inclusive, em tarefas escolares.

"Imagina isso na escola? Um aluno que antes de ter química já gosta de química, que é uma matéria tão odiada no geral", afirma. Para ele, essa motivação prévia pode facilitar o aprendizado formal, beneficiando tanto alunos quanto professores.

Ao mesmo tempo, Thenório ressalta que o Manual do Mundo não tem a intenção de substituir a escola tradicional. "A gente não segue nenhum padrão do MEC ou outro padrão curricular. Ensinamos o que achamos ser interessante, o que a gente acha que seria legal as pessoas saberem e que, grande parte das vezes, vai poder ajudar as pessoas a compreenderem um pouco o mundo", diz.

Além do YouTube, o Manual do Mundo expandiu sua atuação para livros, iniciando em 2014 com uma obra de experiências. Thenório ressalta que "o primeiro livro dá muito mais trabalho do que fazer um vídeo e é um material que vai ficar para sempre".

O canal também atua na adaptação de obras estrangeiras para o público brasileiro, um processo que envolve curadoria cuidadosa e adequação cultural. "A gente começa escolhendo o livro, depois lemos ele de cabo a rabo, corrigimos cada pontinho e verificamos se é adequado para o Brasil. Por exemplo, tivemos que reescrever 100% da parte de plantas comestíveis em um livro de sobrevivência, porque eram plantas que não existem aqui", conta.

A televisão é outro ponto de atuação do canal, com programas exibidos na Record News, alcançando um público menos conectado ao YouTube. Essa expansão para outras mídias reforça o compromisso do canal com a divulgação científica ível e diversificada.

No âmbito da gestão, Mari Fulfaro, cofundadora, foi essencial no planejamento e crescimento da empresa durante 17 anos, segundo Thenório, ao focar na estratégia e organização do canal. Hoje, afastada para cursar Medicina, ela continua colaborando esporadicamente, enquanto Thenório assume a operação diária.

Pensando no futuro, Thenório enfatiza a necessidade de “ar essa bola para frente”, treinando novas pessoas para apresentar os conteúdos e garantir a longevidade do Manual do Mundo.

Ele também revela planos para “ocupar lugares físicos, ter algum lugar onde a pessoa possa ver o Manual do Mundo presencialmente”, criando espaços que aproximem ainda mais o público da ciência e da educação prática. "A ideia é que esse lugar seja um ponto de encontro para curiosos de todas as idades aprenderem brincando e fazendo experimentos. Queremos que as pessoas sintam que a ciência está ao alcance das mãos, que elas possam ver, tocar e criar, não só assistir.”

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