Vista aérea da cidade de São Paulo, maior centro urbano do país ( Fabio Vieira/FotoRua/Getty Images)
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Publicado em 22 de maio de 2025 às 10h00.
Por Cezar Miola*
No mundo privado, as noções de experiência e bem-estar têm pautado e revolucionado as antigas e tradicionais relações de entrega de serviços e de produtos. Em certa medida, observando o interesse coletivo, esses nortes podem contribuir para o aprimoramento das responsabilidades do setor público. Números divulgados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam gritantes oportunidades de melhoria.
Um dos principais exemplos de gargalo na entrega de serviços públicos está na escassez de arborização nas cidades brasileiras. De acordo com o Censo 2022, o País tem 34% da população (59 milhões de pessoas) vivendo em vias sem nenhuma árvore. A arborização nas ruas é uma necessidade urbana que impacta diretamente o microclima, a saúde física e mental dos habitantes e a qualidade do ar. Cidades com menos verde enfrentam temperaturas mais altas, aumento de doenças respiratórias e uma estética urbana mais árida e inóspita. Isso compromete diretamente a sensação de bem-estar e pertencimento da população, especialmente nas áreas periféricas, onde a presença de árvores é ainda mais rara.
Outro dado alarmante divulgado pelo último Censo é que cerca de 19,5 milhões de pessoas (quase 10% da população) habitam em ruas sem pavimentação. Essa realidade compromete a mobilidade e também expõe moradores a riscos constantes, como acidentes, enchentes e dificuldade de o a serviços essenciais, como ambulâncias e transporte escolar. A ausência de calçamento é um retrato da desigualdade social, que transforma o cotidiano em um percurso de obstáculos, sobretudo para populações de baixa renda. A falta de infraestrutura básica afeta diretamente o tempo, a dignidade e a saúde dos cidadãos.
De acordo com o IBGE, dois em cada três brasileiros (119,9 milhões) moram em vias sem rampa para cadeirantes. A falta dessas estruturas básicas revela um modelo de urbanização que desconsidera a necessidade de inclusão. A cidade que não acolhe falha em sua função pública mais essencial: garantir o igualitário ao espaço urbano. E o impacto não se restringe a pessoas com deficiência: idosos, cuidadores com carrinhos de bebê e indivíduos que apresentam lesões temporárias também sofrem as consequências dessa omissão.
Além disso, há outras severas restrições no campo da infraestrutura urbana. O mesmo Censo 2022 aponta que menos de 2% da população mora em ruas com ciclovias, evidenciando a falta de incentivo e de segurança para o uso de bicicletas, um meio de transporte que é, ao mesmo tempo, sustentável e ível. A ausência de ciclovias adequadas não só prejudica a mobilidade, como também limita o o a opções de transporte e lazer mais ecológicas e saudáveis.
Quando o cidadão precisa conviver com ruas esburacadas, calçadas com barreiras, falta de ciclovias e um calor exacerbado pela ausência de árvores, um dos efeitos é a progressiva corrosão do vínculo de confiança entre a sociedade e o poder público.
Por isso, pensar os serviços públicos também a partir das noções de experiência e bem-estar é uma ideia prática e premente. Faltas como as mencionadas mostram que o Brasil ainda está distante de oferecer uma vivência urbana digna a seus cidadãos. Incorporar esses valores à gestão pública é reconhecer que cada rua pavimentada, cada rampa instalada, cada ciclovia construída e cada árvore plantada são investimentos diretos na qualidade de vida da população. Se um dos objetivos fundamentais da República é promover o bem de todos (art. 3º da CF), ainda temos muito por fazer nessas searas.
Por fim, nesse cenário, uma consideração se impõe: o quão relevantes se mostram os dados estatísticos e as evidências para a formulação, o acompanhamento e a avaliação das políticas públicas. E, no caso, o Censo do IBGE constitui um repositório imprescindível.
*Cezar Miola é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS), onde ocupa o cargo de ouvidor.
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